segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Crônicas Policiais: "O MÃO BRANCA"

 Por Erick, O Caçador




 Início dos anos 80: no rádio, durante um programa de reportagens policiais, o locutor lê ao vivo uma carta assinada por certa pessoa que usa o codinome "Mão Branca". Na missiva, sem rodeios, Mão Branca dá uma lista de nomes de bandidos - e declara que todos irão morrer. Nos dias seguintes, as notícias dão conta da promessa sendo cumprida... E, definitivamente, nasce uma lenda.
Ubiratan Camilo


    Em Natal/RN, o jornalista Ubiratan Camilo, locutor do "Patrulha da Cidade" (programa da Rádio Cabugi), era o involuntário porta-voz do Mão Branca. Naquelas cartas, onde o próprio radialista era ameaçado de morte (caso não lesse no ar), a população comum via, com satisfação contida, uma previsão de "limpeza". Já os vagabundos listados, corriam para se entregar nas Delegacias mais próximas, de mala e cuia, implorando para serem presos.


    Houve vários casos, inclusive, de presos se recusarem a receber os seus alvarás de soltura, alegando que era mais seguro morar na cadeia. Os relatos são inúmeros de que,  nessa época, os cidadãos comuns podiam dormir com as portas das casas abertas, que ninguém mexia. Isso é o que dizem as pessoas que testemunharam esse período em primeira mão.

    Fenômeno semelhante ocorreu em Campina Grande/PB e em Recife/PE: Mão Branca, através de cartas enviadas à imprensa, divulgava a lista dos criminosos sentenciados à morte. Depois, apareciam os "presuntos" em matagais ou beiras de estrada, com sinais evidentes de execução. Nessas cidades, o "Efeito Mão Branca" foi o mesmo, para a Sociedade local, segundo quem estava lá e viveu o contexto.



    Herói para uns, bandido para outros - quem era o Mão Branca? Não se sabe a resposta, mas é difícil pensar que seja uma só pessoa, devido a tantas execuções, em tantos locais distantes entre si. O mais provável é que fossem grupos de cidadãos justiceiros indignados com a violência da bandidagem e fazendo justiça "com as próprias mãos". Ou, talvez, fossem quadrilhas de marginais locais eliminando desafetos - afinal, qualquer pessoa poderia escrever uma carta e assinar como "Mão Branca".

     Em vários lugares, entidades de Direitos Humanos acusaram policiais de integrarem os "Esquadrões da Morte" ligados ao codinome Mão Branca. Mas nunca acusaram uma Facção Criminosa pelo mesmo tipo de delito. Na época, já existiam o Comando Vermelho (RJ) e várias perigosas quadrilhas que assassinavam, o que sabemos que é o normal da marginália.

    No centro-sul do País, as denúncias sobre o "Esquadrão da Morte" ou o "Mão Branca", recaíram sobre a agremiação "Scuderie Detetive Le Cocq", que reunia em seus quadros juízes, promotores de justiça, médicos, advogados, policiais e outras profissões. A Scuderie Le Cocq atuou nos anos 60, 70 e 80, segundo seus estatutos, como entidade filantrópica.

    No RN, os Direitos Humanos citaram como responsáveis pelas execuções atribuídas ao Mão Branca, o Delegado Maurílio Pinto de Medeiros, reconhecido herói da Segurança Pública Potiguar, bem como sua destacada equipe - a quem apelidaram "Os Meninos de Ouro". Nada foi provado, nas investigações levadas a cabo em apuração a essa denúncia.



    A ironia é que, hoje em dia, as Facções Criminosas Prisionais filmam execuções de outros vagabundos e vagabundas, seus desafeto(a)s, e postam nas redes sociais de forma escancarada, assumindo a autoria e mostrando a cara. Há o assassinato com requintes de barbarismo, há tortura e humilhação, mutilações... Mas também há o silêncio das entidades de Direitos Humanos, que sempre têm algo a dizer das ações da Polícia e Agentes Penitenciários.

    Mas, voltando ao ponto: será que as Facções Prisionais teriam essa folga toda, numa hipotética volta do Mão Branca?

    O mistério sobre o Mão Branca persiste até hoje, a ponto de alguns jovens o considerarem uma "lenda urbana". Mas quem viveu nos anos 80 sabe que é uma história bem real...


Erick Guerra, O Caçador

Um comentário:

  1. Prezado Erick,

    A Scuderie Le Cocq foi extinta pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio/ES) no final de 2005, acusada de abrigar e proteger grupos de extermínio, traficantes e assaltantes. Apontada desde os anos 80 como braço armado do crime organizado capixaba, a Scuderie foi acusada pela Procuradoria Regional da República pelo assassinato de pelo menos 30 políticos do ES ao longo de 18 anos, assim como por milhares de outros homicídios que transformaram o o estado no segundo mais violento do Brasil na década de 90. A CPI do Narcotráfico, presidida por Magno Malta, chegou a indiciar diversas autoridades capixabas por suposta ligação com a Le Cocq, por crimes que variavam da receptação de carros roubados à organização de assaltos a banco, assassinatos e tráfico internacional de drogas. Um dos casos mais emblemáticos foi o assassinato do investigador de Polícia Derneval Gonçalves Pereira, o Russo, executado com um tiro na nuca na sede administrativa/social da Le Cocq, no bairro Bento Ferreira, em Vitória, em 1993. Russo foi assassinado como queima de arquivo depois de participar do assassinato do então prefeito da Serra, José Maria Miguel Feu Rosa, e do seu motorista Itagildo Coelho de Souza; assim como no do advogado Carlos Batista de Freitas. O crime foi praticado durante uma reunião da Scuderie onde estavam presentes dezenas de policiais e delegados da Polícia Civil, mas nunca foi solucionado. O delegado Francisco Badenes, que lutou contra a a Scuderie Le Cocq no final dos anos 80, teve de entrar no programa de proteção a testemunhas e migrar para a Polícia Federal, mas foi reconhecido como o World Police Prize de 2006, prêmio mundial de Polícia outorgado pela IPA - International Police Association. Seus poucos aliados nessa luta inglória incluíram foram o o promotor Luiz Renato da Silveira e o advogado Marcelo Denadai, que acabou sendo assassinado. A Scuderie Le Cocq do ES tem ligação direta com a do Rio, que também se envolveu em inúmeros crimes, e serviu como modelo para as milícias que dominam boa parte do RJ hoje. A "mão branca" não resolveu a crise de segurança pública em nenhum lugar do país. Muito pelo contrário, piorou a situação e trouxe a criminalidade mais sanguinária para dentro das forças de segurança.

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