segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Crônicas Policiais: "BANDIDOS DE CORPO-FECHADO"

Por Erick, O Caçador






Na busca por proteção dos muitos perigos da vida bandida, sempre se falou que alguns criminosos supostamente possuíam pactos com forças espirituais ocultas e que usariam amuletos com encantamentos de proteção e sorte contra inimigos. Das estrelas de couro nos chapéus dos cangaceiros ( na verdade, inspiradas no Selo-de-Salomão e na antiga estrela de oito pontas de Ishtar) até os pactos com entidades nos terreiros de macumba, o rol dos artifícios alegados para ter vantagem sobre a Polícia e outros adversários é variado. Trataremos aqui do sobrenatural usado como recurso pelo crime.


Há longa tradição, no Sertão mais recuado, do uso de rezas-bravas pra livramento de acidentes como picadas de cobra ou cura de doenças. O povo mais antigo também fala de orações perversas, de uso cangaceiro, como a famosa "Oração da Cabra Preta" que daria o "envultamento" (invisibilidade) ao rezador e, noutras versões, transformaria o recitante num toco de pau ou animal. Daí, inclusive, derivaria a linha da "Reza para virar Lobisomem".



A mística sertaneja alude a rezas fortes para fechar o corpo, livrando de "ferro-frio" (facadas) e de balas, dando o caborge de "invulnerabilidade", durante o tempo em que o caborjudo não tocasse em mulher - o que lhe tiraria tais poderes.


Virgolino Ferreira, o Lampião, tinha o hábito de oficiar certo rito "engrimanço" com seu bando, semelhado a uma missa herege, fato bem registrado nas suas únicas imagens em filme, feitas por Benjamin Abraham. Quando da  morte Lampião no combate de Angico/AL (1938), foi encontrado um breviário nos seus bornais que, entre outras fórmulas, continha a "Oração da Pedra Cristalina". O próprio vestuário e equipamento dos cangaceiros do bando de Lampião era repleto de símbolos místicos tais como estrelas de oito pontas, flores-de-lis e cruzes de malta, entremeados de moedas e motivos florais.




Há um relato de que Corisco, chefe de subgrupo subordinado a Lampião, revoltado no momento da morte de sua segunda filha, teria rezado em alta voz o sombrio "Credo ao Contrário", verdadeiro aboio de chamar o Cão...


Nas zonas litorâneas, onde o espiritismo afro-ameríndio se manifesta nos terreiros de Candomblé e da Jurema Sagrada, não foram poucos os criminosos que fizeram pactos com espíritos que, alegadamente, foram malandros ou marginais em sua vida terrena. É o caso de entidades como Zé Pelintra ou os diversos tipos Pombas-Giras e Exus. A proteção desse "padrinhos", conjugada com o uso de "patuás" e "guias" (espécie de amuletos supostamente imantados com poder sobrenatural) daria ao "afilhado" o "pulo do gato" em cima de seus inimigos. A paga pela proteção seria feita com sangue do sacrifício de animais, bebidas e charutos ou cigarros.


Já no Caldeirão do Diabo (antigo Presídio João Chaves, Natal/RN), os presos comentavam sobre rituais nefandos, feitos na cela de Naldinho do Mereto, Demir e Paulo Queixada ( terrores de Natal nos anos 90). O "Trio Ternura", segundo um ex-detento, praticava magia negra e sexo grupal entre si, sendo eles bastante temidos também por essas "esquisitices". Nessa época, muitos no submundo se valeram dos feitiços encontrados no Grimório denominado "Livro de São Cipriano".

 


É comum, nos membros das Facções Criminosas Prisionais da atualidade, tatuagens com motivos macabros, representando o Diabo ou seres infernais. Se isso lhes concede algum tipo de "aliança sobrenatural" (mesmo que inconsciente) ou se é apenas pintura corporal como expressão de arte degenerada, há controvérsias.


Coincidência ou não, todos os bandidos nominalmente citados aqui tiveram mortes horríveis, depois de uma vida de danação infeliz... Maior do que Deus, ninguém!




Erick Guerra, O Caçador


Crônicas Policiais: "O MÃO BRANCA"

 Por Erick, O Caçador




 Início dos anos 80: no rádio, durante um programa de reportagens policiais, o locutor lê ao vivo uma carta assinada por certa pessoa que usa o codinome "Mão Branca". Na missiva, sem rodeios, Mão Branca dá uma lista de nomes de bandidos - e declara que todos irão morrer. Nos dias seguintes, as notícias dão conta da promessa sendo cumprida... E, definitivamente, nasce uma lenda.
Ubiratan Camilo


    Em Natal/RN, o jornalista Ubiratan Camilo, locutor do "Patrulha da Cidade" (programa da Rádio Cabugi), era o involuntário porta-voz do Mão Branca. Naquelas cartas, onde o próprio radialista era ameaçado de morte (caso não lesse no ar), a população comum via, com satisfação contida, uma previsão de "limpeza". Já os vagabundos listados, corriam para se entregar nas Delegacias mais próximas, de mala e cuia, implorando para serem presos.


    Houve vários casos, inclusive, de presos se recusarem a receber os seus alvarás de soltura, alegando que era mais seguro morar na cadeia. Os relatos são inúmeros de que,  nessa época, os cidadãos comuns podiam dormir com as portas das casas abertas, que ninguém mexia. Isso é o que dizem as pessoas que testemunharam esse período em primeira mão.

    Fenômeno semelhante ocorreu em Campina Grande/PB e em Recife/PE: Mão Branca, através de cartas enviadas à imprensa, divulgava a lista dos criminosos sentenciados à morte. Depois, apareciam os "presuntos" em matagais ou beiras de estrada, com sinais evidentes de execução. Nessas cidades, o "Efeito Mão Branca" foi o mesmo, para a Sociedade local, segundo quem estava lá e viveu o contexto.



    Herói para uns, bandido para outros - quem era o Mão Branca? Não se sabe a resposta, mas é difícil pensar que seja uma só pessoa, devido a tantas execuções, em tantos locais distantes entre si. O mais provável é que fossem grupos de cidadãos justiceiros indignados com a violência da bandidagem e fazendo justiça "com as próprias mãos". Ou, talvez, fossem quadrilhas de marginais locais eliminando desafetos - afinal, qualquer pessoa poderia escrever uma carta e assinar como "Mão Branca".

     Em vários lugares, entidades de Direitos Humanos acusaram policiais de integrarem os "Esquadrões da Morte" ligados ao codinome Mão Branca. Mas nunca acusaram uma Facção Criminosa pelo mesmo tipo de delito. Na época, já existiam o Comando Vermelho (RJ) e várias perigosas quadrilhas que assassinavam, o que sabemos que é o normal da marginália.

    No centro-sul do País, as denúncias sobre o "Esquadrão da Morte" ou o "Mão Branca", recaíram sobre a agremiação "Scuderie Detetive Le Cocq", que reunia em seus quadros juízes, promotores de justiça, médicos, advogados, policiais e outras profissões. A Scuderie Le Cocq atuou nos anos 60, 70 e 80, segundo seus estatutos, como entidade filantrópica.

    No RN, os Direitos Humanos citaram como responsáveis pelas execuções atribuídas ao Mão Branca, o Delegado Maurílio Pinto de Medeiros, reconhecido herói da Segurança Pública Potiguar, bem como sua destacada equipe - a quem apelidaram "Os Meninos de Ouro". Nada foi provado, nas investigações levadas a cabo em apuração a essa denúncia.



    A ironia é que, hoje em dia, as Facções Criminosas Prisionais filmam execuções de outros vagabundos e vagabundas, seus desafeto(a)s, e postam nas redes sociais de forma escancarada, assumindo a autoria e mostrando a cara. Há o assassinato com requintes de barbarismo, há tortura e humilhação, mutilações... Mas também há o silêncio das entidades de Direitos Humanos, que sempre têm algo a dizer das ações da Polícia e Agentes Penitenciários.

    Mas, voltando ao ponto: será que as Facções Prisionais teriam essa folga toda, numa hipotética volta do Mão Branca?

    O mistério sobre o Mão Branca persiste até hoje, a ponto de alguns jovens o considerarem uma "lenda urbana". Mas quem viveu nos anos 80 sabe que é uma história bem real...


Erick Guerra, O Caçador

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Crônicas Policiais: "ACONTECEU EM LAJES DO CABUGI"

Por Erick, O Caçador






No dia 1º de agosto de 2008, o Município de Lajes do Cabugi foi palco de uma dos maiores feitos em armas das Forças Policiais no Estado do Rio Grande do Norte. Numa estrada carroçável distante 200 metros da BR 304, já nos entornos do centro urbano, uma quadrilha de assaltantes de banco armados para uma guerra foi totalmente neutralizada em ação combinada da Inteligência da Polícia Federal,  da Polícia Civil do RN e do Batalhão de Operações Especiais da PMRN. Ao final da operação, 08 criminosos mortos e um preso, a cidade salva do ataque e, de quebra, o recado aos interessados que o Estado Potiguar não era playground para  "brincadeira de assalto a bancos". Com efeito, por vários anos à frente, o RN foi evitado pelas quadrilhas especializadas nessa modalidade, em virtude do exemplo dado em Lajes.


Desde 2007, perigosa quadrilha composta por sertanejos pernambucanos vinha estudando agir em solo potiguar. Homens experimentados no crime, no modelo Novo Cangaço (de tomar a cidade, aterrorizar a população com tiros de armas pesadas, fazer reféns, etc), com mais de dez assaltos bancários no currículo, agindo como uma unidade militar e armados até os dentes. Esse grupo criminoso estava sendo auxiliado por um comparsa paraibano de nome Daniel, que fazia as funções de coiteiro, olheiro e "cavalo" ( agilizador de fuga). O plano era o seguinte: tomar o centro da cidade de Lajes e invadir o Banco do Brasil, no momento em que certo carro-forte com dinheiro vindo da capital do Estado chegasse para abastecer a agência. Tudo estudado, planejado minuciosamente e cronometrado com precisão. A data e hora da ação seria sexta-feira, dia 01 de agosto, 11 horas da manhã. A expectativa era de deixar alguns corpos de vigilantes no chão, roubar um milhão de reais e fugir pela caatinga, para fora do RN.


Um detalhe: o bando estava no grampo da Polícia Federal, sendo monitorado dia e noite, com bastante atenção a seus preparativos. Outro detalhe é que o BOPE-RN havia concluído bem recentemente uma edição do COESP ( Curso de Operações Especiais), formando uma safra bem quentinha de "caveiras" na "ponta dos cascos", prontos e rezando para cumprir qualquer missão...




Há algum tempo, o vagabundo Daniel estava hospedado numa pousada situada na aprazível cidade vizinha de Angicos, de onde se comunicava com seus parceiros. Faltando uma semana para o "Dia D", o restante quadrilha chegou na região, a modo guerrilheiro, acampando na caatinga e pernoitando todo dia num lugar diferente. Daniel  levava ao acampamento mantimentos e "passava a fita" das novidades na movimentação em torno do alvo dos criminosos. Enquanto isso, as Forças Policiais realizavam seu apronto operacional... Já a população de Lajes, nem desconfiava do jogo de xadrez em andamento, como sói acontecer nos capítulos da Guerra Civil da Segurança Pública. Esse é um cenário corriqueiro desse Conflito de Baixa Intensidade, no Brasil.


Na verdade, Lajes já havia sofrido assalto semelhante três anos antes. Os integrantes desse primeiro assalto haviam sido presos pouco tempo depois, na cidade de Parnamirim/RN. Mas muitos deles já estavam em liberdade, graças aos sobejos benefícios legais a que os criminosos tem direito, infelizmente, nesse Brasil de Meu Deus. Teriam ligações com essa nova investida? No mínimo, seu exemplo fez escola, pois era evidente a similitude do plano criminoso.


A quadrilha prestes a atacar tem oito vagabundos em armas e vão usar uma caminhonete S-10 para o combate. Dispõe de três fuzis mini ruger 5.56 mm, uma metranca .30, três escopetas .12 de repetição, três pistolas 9mm, três pistolas .380, farta munição, uma granada de mão e grande quantidade de grampos metálicos para "minar" estradas e furar pneus de carros que, porventura, persigam o bando. Daniel, comparsa protegido na vizinhança, fazendo a retaguarda, toma conta de dois automóveis (um Vectra e um Siena) e de uma motocicleta Strada, veículos azeitados para a fuga. O moral da quadrilha está alto. Estão mais do que preparados para a empreitada, no dia certo, na hora azada.


Dia D: Desde a barra do clarear, os assaltantes "linha de frente" carregam bornais e mochilas individuais com rapadura, farinha, garrafas de água mineral, terços e "santinhos" com imagens impressas de sua devoção. De uniformes camuflados, aguardam na caatinga espinhenta, enquanto o Sol se ergue. Estão com o Diabo no coração e armas nas mãos, só esperando o sinal do olheiro Daniel, para entrar de sopetão na pacata cidade e meter o aço.


Uma coisa eles não sabem: nessa hora, Daniel já caiu para a Polícia - e entregou até a Mãe de Pantanha. Também ignoram que a madrugada sertaneja da véspera deu entrada a 20 homens de preto no Teatro de Operações. Sob o manto da noite, esses abnegados combatentes montaram uma posição de emboscada, na via de acesso escolhida pelos criminosos para invadir a cidade. Há outras posições tomadas pelas Forças de Segurança, mas vamos resumir o relato.



A manhã se adianta, com todas as peças dispostas no tabuleiro.


Pouco antes das 11:00H da manhã, a S-10 arranca pela estrada carroçável, mesmo sem o sinal de Daniel. É que a exatidão do horário da ação importa e as últimas notícias dão conta de que o carro-forte está cumprindo o itinerário na marca. Se o dinheiro entrar no cofre, já complica o cronograma dos bandidos. Tudo depende de chegar a tempo de surpreender os malotes sendo transportados para o interior da agência. Com Daniel fora de contato, o líder do grupo toma a decisão de "meter o banco na tora", pois a oportunidade era aquela! Para os vagabundos é fazer e sair, literalmente "rápidos, como quem rouba".


Em acelerada marcha para o combate, a S-10 avança para o centro urbano de Lajes de Cabugi. A poeira levanta no rastro da caminhonete. Dois assaltantes vão na cabine, os seis outros estão aboletados na carroceria. Nessa hora, cada um deles está de bala na agulha e sangue no olho: vão matar ou morrer, para roubar! E Entre eles e seu objetivo, uma surpresinha: a patrulha do BOPE.


Inadvertidamente, a caminho do assalto, os Novos Cangaceiros entram na "zona de morte" da emboscada dos caveiras... Aí, a cantoria de 7,62 mm troa com força: numa chuva de balas, se o bebê chora, mamãe nem ouve!



O veículo é pipinado na fuzilaria e estanca, quando os dois vagabundos na boléia se despedem da vida. Na carroceria, o côco é seco: quem estava apostando de matar, seu projeto virou por cima de si! 


Os militares vêem um dos ladrões cambalhotando de costas, como que procurando proteção detrás da carroceria. Hei! Pegue rajadas no automático! Carregadores são trocados, o cheiro de pólvora incensa a caatinga. Depois, vem o comando de "assalto!" - E os Forças Especiais atacam a pé, em linha, arrostando sobre posição dos Novos Cangaceiros. Gritos de guerra, mais disparos, nessa hora do vamos-ver: é faca na caveira! Mas já não há mais qualquer resistência...


Dentre os mortos, está o que "caiu de cambalhota" para trás... É que havia sido torado no meio, por uma rajada certeira que lhe serrou o "vazio" e partiu a coluna! O cenário em derredor da S-10 é um arranjo aleatório de corpos, cacos de vidro, sangue, projéteis de chumbo, tripas e o potente material bélico dos "cabras"... Os vagabundos saíram de cidades pernambucanas como Cabrobó, Caruaru e Petrolina, para mexer com o sertão potiguar.. E acharam o chapéu da viagem!



Depois, o trivial: Polícia Federal isolando a área, imprensa cobrindo o "furo", perícias, reboliço e os comunicados oficiais. E, como de praxe, algum(a) babaca (aqui e ali) criticando as instituições e os homens que, na verdade, mereceram e merecem elogios e respeito, pela competência, bravura e heroísmo. Quem poupa os maus, pune os bons.



Em 2008, o mês de agosto já começou entre um susto e um alívio naquela região interiorana. A caveira sorriu, alguém achou ruim, mas o Estado do Rio Grande do Norte inteiro teve alguns anos de trégua, da parte das quadrilhas de assaltos à banco - isso é um fato.





Quanto à Lajes, continuou linda, com o horizonte dominado pelo Pico do Cabugi que, dizem alguns historiadores, é o falado "Monte Pascoal" da Carta do Descobrimento do Brasil, lavrada por Pero Vaz de Caminha... Mas essa é outra história!




Erick Guerra, O Caçador

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Crônicas Policiais: "A MORTE DE VALDETÁRIO CARNEIRO"

Por Erick, O Caçador


Na noite de 10 dezembro de 2003, no Sítio Pau de Leite, Município de Lucrécia/RN, morreu em confronto com a polícia o assaltante de bancos Valdetário Benevides Carneiro, renomado líder de quadrilha e considerado um dos protagonistas do surgimento do chamado "Novo Cangaço".





Natural de Caraúbas/RN, a trajetória de Valdetário Carneiro é repleta de episódios que ficaram de forma controversa no imaginário popular, a começar de sua iniciação como fora-da-lei, supostamente ocasionada por uma prisão por crime que não teria cometido. No papel e com direito ao devido processo legal, consta que Valdetário, mecânico e dono de oficina, recebeu condenação por envolvimento com o roubo de um veículo Ford Pampa, acontecido na Paraíba, tendo sido ele reconhecido formalmente pela vítima e tudo o mais. Ainda hoje, no Alto Oeste Potiguar, as duas versões são faladas. O próprio "Val" afirmava que entrara na vida do crime em decorrência dessa prisão (1991), por ele considerada injusta e em virtude da qual se revoltou. A Polícia sempre afirmou o contrário, no que foi referendada pelo Judiciário, após os devidos trâmites.


Seis anos depois, após sair do regime fechado (cumprido na Penitenciária de Campina Grande/PB) e voltar a Caraúbas, o Carneiro é acusado, via boatos, de praticar assalto contra um comerciante de Mossoró. O mesmo nega participação e obriga os ladrões a devolverem o dinheiro à vítima. Mas também decide matar quem lhe acusou de ter roubado o carro na Paraíba, motivo de sua primeira prisão. Com auxílio de um primo, "Valdetáro" vai à Paraíba e mata dois: o dono da Ford Pampa e um outro que estava na hora e lugar errados.


A partir daí, inicia uma seqüência de crimes que lhe virá a render o título de "bandido mais perigoso do Nordeste" e comparações com Virgolino Ferreira, o Lampião. Entre 1997 e 2003, o bando formado por Valdetário Carneiro protagonizou várias ações criminosas espetaculares em duas linhas diferentes: a guerra contra a família Simião Pereira (capítulo à parte dessa história dramática)  e assaltos a banco cada vez mais ousados.  


Dentre esses episódios marcantes estão o assassinato do médico João Pereira e de uma enfermeira, no centro de Caraúbas, a tiros de fuzil AR-15 (23/12/1999); O resgate cinematográfico de Valdetário (que havia sido preso novamente) da Penitenciária de Alcaçuz pela sua quadrilha (05/11/2000), quando foi libertado junto com mais 27 presos (na ação, ficou paralítico um soldado PM, em decorrência de ferimento à bala); A emboscada na RN 117, nas alturas de Lagoa do Pau (10 km de Mossoró) ao então Prefeito de Caraúbas, Agnaldo Pereira, onde morreram também a esposa do mesmo, dois praças da PM e um funcionário do prefeito (07/11/2001) com mais de cem tiros de 5.56 e ponto 30, pistolas .40 e .380, além de escopeta calibre .12; O assalto a bancos na cidade de Macau/RN (31/05/2002), quando a cidade foi dominada e suas três agências bancárias (Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Caixa Econômica Federal) foram assaltadas simultaneamente (na ação, foi morto o delegado da cidade, sendo feridos outro delegado e um agente de polícia civil). Tal seqüência de crimes bárbaros chocou a opinião pública e fez a fama da quadrilha.


Agências bancárias em cidades como Caraúbas, Apodi, Campo Grande, Umarizal, entre outras (num total extraoficial de mais de cem, inclusive em outros Estados), foram alvos do Bando. Em certo momento, Valdetário Carneiro alcançou foro de problema nacional ao ser tema do programa-denúncia "Linha Direta" da Rede Globo de Televisão. Nessa altura, a caçada a Valdetário já era uma questão de honra para as Polícias Civil, Militar e Federal... Não havia como ele durar muito.


A 10 de dezembro de 2003, denúncia anônima levou a polícia ao esconderijo de Valdetário Carneiro no sítio Pau de Leite, ermo da caatinga na zona rural de Lucrécia. O Delegado Regional de Patu, Ridagno Pequeno, com pouco mais de 20 homens reunidos às pressas, cercou a casa, durante a madrugada. Já perto de amanhecer, o latido de um cachorro alertou Valdetário que gritou: "Quem está aí?" - E principiou abrir a porta dos fundos, ao que respostaram:


- É a Polícia! - E começou o tiroteio...


Em certa altura, Valdetário Carneiro gritou, de dentro da casa: "Eu vou sair!"


Nisso, os tiros pausaram. Enquanto todos esperavam que a porta da casa se abrisse, com rendição do renegado, "Valdetáro" pula a janela, atirando de AR-15 no fogo automático. Aí, o tiroteio recomeça. Todavia o Carneiro, cercado e atirando às cegas, é um alvo fácil e tomba crivado por mais de uma dezena de tiros. 


Dentro da casa está sua esposa e um filho pequeno, que provavelmente ele tentou proteger, saindo para o tiroteio em campo aberto, tentando fuga desesperada. Se queria viver, melhor negócio era ter se rendido. 


Até esse momento, os Policiais ainda não tinham certeza da identidade do homem que jazia ao solo, mas depois confirmaram: aos 44 anos, Valdetário Carneiro, o inimigo número um das Forças de Segurança Pública, estava morto.


No dia 11 de dezembro, Valdetário Benevides Carneiro foi sepultado no Cemitério Municipal de Caraúbas, em meio a grande comoção. Muita gente vestia camisas com sua foto e, sem dúvida, parte daquele povo o celebrava como um herói. Decerto, também houve muita gente que comemorou, naquele mesmo dia...


Essa é uma história que ainda está viva no Alto Oeste Potiguar, para o bem ou para o mal.





Erick Guerra, o Caçador











quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Crônicas Policiais: "SÃO JARARACA DE MOSSORÓ"


Ao centro da foto, o bandido José Leite de Santana, vulgo Jararaca, quando preso em Mossoró (junho de 1927) 


Quem for  no Cemitério de São Sebastião, em Mossoró/RN, pode ver um túmulo muito bem cuidado, palco de adoração e idolatria, principalmente no Dia de Finados (02 de novembro). Trata-se da cova de um dos piores criminosos que já puseram os pés em solo potiguar, o cangaceiro Jararaca. Assassino, ladrão, torturador, membro de facção criminosa (no caso, o Bando de Lampião), sequestrador - tudo isso Jararaca era e morreu sendo. De forma absurda, no entanto, hoje é considerado um santo e há quem lhe atribua milagres...


No dia 13 de junho de 1927, Lampião e cerca de uma centena de outros  vagabundos de seu bando atacaram a cidade de Mossoró, após percorrer parte do Alto Oeste Potiguar deixando rastro de crimes e violência. Na ocasião, Jararaca tinha 26 anos e era líder de um dos subgrupos que compunham a vassalagem de Virgolino Ferreira. No combate que se seguiu à invasão da cidade, que foi defendida por uma milícia heróica de voluntários civis, Jararaca foi ferido enquanto tentava surrupiar os pertences e dinheiro de um seu companheiro de crimes, o cangaceiro Colchete, morto pouco antes (em combate) com um tiro na cabeça. Tendo recebido um balaço no peito e outro no pé da bunda, Jararaca foi abandonado pelo resto do bando e, então, capturado pelos defensores de Mossoró.


Prisioneiro, José Leite de Santana, vulgo Jararaca, natural de Buíque/PE e desertor do Exército Brasileiro, deu entrevistas em que entregou importantes coiteiros e detalhes a respeito de Lampião e seu grupo criminoso. Finalmente, foi passado pelas armas por ordem das autoridades, no tipo de atitude que pôs fim ao Cangaço, por um lado, mas por outro, levantou polêmica dentre as pessoas mais sensíveis que, já naquela época, preferiam perorar pelos direitos dos manos, em vez de prestar apoio e solidariedade às vítimas. Ninguém quer ser sequestrada(o), estuprada(o), torturada(o) ou assassinada(a), mas quanto pior o sequestrador, estuprador, torturador e assassino, mais próximo de ser canonizado por certa parcela de pessoas... Esse é exatamente o caso desse "São" Jararaca, o "santo" que só pintou miséria!

 Cidadãos de bem, armados, fizeram o milagre de repelir o Bando de Lampião. Hoje são esquecidos.


Reza a lenda que, em seus últimos momentos, o Cangaceiro Jararaca foi perguntado se tinha arrependimento ou remorso de algo que fizera na sua tumultuada vida de crimes, ao que o vagabundo teria feito repugnante relato: que tinha ele por vício, de maldade pura, o costume de jogar crianças novinhas para cima e aparar na ponta do facão... E que, numa dessas execuções hediondas, o neném caiu do céu olhando para ele e sorrindo, até ficar encravado no aço. Segundo o criminoso, aquela lembrança era a única coisa que lhe dava desgosto, de tudo de ruim que já aprontara.



Dia de Finados, quem for no túmulo desse covarde verá multidões rezando o terço e ouvirá a versão inventada de que "ele (o Jararaca) se arrependeu de tudo". Cuidado tenha o visitante para não se queimar nas centenas de velas, ou para não pisar na ruma de ramalhetes de flores depositados pelos fiéis desse estranho culto a um fascínora confesso e empedernido, que morreu sustentando a marra de bandido perigoso até o fim, conforme são unânimes as fontes históricas. Em contraste flagrante, os túmulos dos heróis potiguares que repeliram o Bando de Lampião ficam a poucos metros, totalmente ignorados.


Uma especulação cabível, para quem acredita nessas coisas: talvez, por influência dessas rezas para criaturas do lado do Mal, Mossoró tenha obtido a duvidosa bênção de receber, recentemente, um Presídio Federal. Afinal de contas, a alma do finado Jararaca, tão querida dos devotos, deve ter convidado outras almas penadas do mesmo naipe que a dele, para lugar tão receptivo (daí mexer os pauzinhos "do outro lado", para deixar o ambiente mais a seu gosto). No pacote do Presídio Federal, veio a cúpula da Facção Criminosa PCC e, na seqüência, essa organização criminosa abriu sua filial potiguar. Como reação, os marginais potiguares fundaram o Sindicato do Crime do RN. Com pouco, as duas Facções entraram em guerra. Eis o fundamento do milagre da multiplicação das estatísticas criminais! Desde então, as coisas foram  tão ladeira abaixo, que não apareceu quem dê jeito, até aqui! 


Parece que São Jararaca não protege Mossoró, tampouco o Rio Grande do Norte, do crime e da insegurança pública... Quanto mais se reza, mais assombração aparece!





Erick Guerra, O Caçador

Crônicas Policiais: "A RESISTÊNCIA"

Nas primeiras horas do dia 05 de novembro de 2018, tropas do BP Choque estouraram um coito de bandidos localizado em certa granja situada em Pium de Dentro, arredores da Lagoa do Bonfim, município de Nísia Floresta/RN.


Recebidos à bala pela quadrilha lá instalada, os heróis da polícia militar só conseguiram a rendição do bando após a morte de seu líder, que insuflou a resistência às forças da lei e da ordem – até que um tiro de fuzil no topo de sua cabeça decidiu a peleja.


Destituídos da liderança, os outros seis marginais renderam-se, entregando várias armas de calibre restrito, munição farta, drogas, radiocomunicadores e produtos de assaltos praticados recentemente.
Durante o resto do dia, várias vítimas do bando acorreram até a Delegacia local, a fim de fazer B.O.s e, talvez, recuperar algum bem roubado. Os relatos da agressividade descabida dos criminosos foram o lugar-comum. Segundo as vítimas da escória, as supostas “vítimas da sociedade” se esmeraram em impor o terror aos inocentes, durante os roubos.





Em certo assalto, ocorrido na véspera da ação vitoriosa da polícia, diante dos rogos desesperados de uma mãe de família rendida sob o cano de um rifle calibre .44, um dos assaltantes bradou, feroz: “Vocês não votaram em Bolsonaro? Então tem mais é que se F…!”


No dia seguinte, na Delegacia, diante de diversas fotografias de marginais apresentadas para possível reconhecimento, essa pobre e digna mulher (que já fora assaltada 05 vezes, segundo relatou) apontou para o rosto algoz que o trauma marcou em seu sistema nervoso para sempre: “Foi esse aqui! Foi esse que quase me mata!”


Pois bem, o falecido líder da resistência era justamente o que tinha afetada crueldade contra as suas vítimas desarmadas, que acusava de serem eleitores de Jair Bolsonaro e, por isso, dignas de ameaças e torturas. Quis o destino, poucas horas depois de punir supostos eleitores de Bolsonaro, o bandido se viu às voltas com o tipo de ação policial clamada pelos que elegeram o Presidente.


É uma história real.


 Erick Guerra, O Caçador